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terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

MANUEL TEIXEIRA-GOMES E ZEUS (Divindade grega criadora dos deuses e dos homens)

O realizador Paulo Filipe Monteiro surpreendeu com a sua primeira grande metragem Zeus, dedicada a um grande estadista da 1.ª República, Manuel Teixeira-Gomes, homem de grande cultura e autor de prosas de  grande sensualidade e erotismo, eleito Presidente da República, que revelando grande desprendimento pelo poder e descrente do país que o elegeu, decidiu abdicar e embarcar no cargueiro holandês Zeus (deus grego pai dos deuses e dos homens), partindo para um,a viagem se retorno para Argel.
O filme é muito interessante, não só porque nos devolve a memória de um homem comprometido com os ideais humanistas, cruzando o imaginário erótico presente na sua obra literária, com a história da malograda República e os 17 anos de exílio solitário no Norte de África.

BREVE BIOGRAFIA DE MANUEL TEIXEIRA-GOMES
Nasceu num meio burguês rico em 1860, no  dia 27 de maio Portimão, viveu uma parte da infância numa casas espaçosas e confortáveis em Portimão e Ferragudo, frequentou  colégio na sua terra natal, entrou para o Seminário de Coimbra com 10 anos, matriculou-se na Faculdade de Medicina de Coimbra com 17 anos mas viria a desistir do curso contrariando a vontade paterna. Experimentou a vida boémia de Lisboa e integrou-se na vida política e literária convivendo com ilustres figuras republicanas, entre eles Teófilo Braga, João de Deus e Fialho de Almeida.
Após o cumprimento do serviço militar foi viver para o Porto integrando o meio artístico portuense ao lado de Soares dos Reis, Sampaio Bruno, Queirós Veloso. Fez a sua estreia literária com 21 anos na Folha Nova do Porto.  Desafiado pelo pai é encarregado de promover os frutos secos algarvios, especialmente o figo e a amêndoa, no estrangeiro, nomeadamente em França, Bélgica, Holanda aproveitando estas digressões para visitar também o Norte de África e o Médio Oriente. Aos 39 anos fixou-se em Portimão administrando as suas propriedades, casou-se com uma jovem filha de pescadores, dedicando-se à escrita publicando Cartas sem Moral Nenhuma, Agosto Azul, Sabina Freire, obras de grande sensualidade e erotismo. Escreveu também Desenhos e Anedotas de João de Deus e Gente Singular, tendo sido nomeado poucos meses depois da implantação da República ministro de Portugal em Londres, onde defendeu a política colonial portuguesa, ameaçada por ingleses e alemães. Foi demitido e chamado a Lisboa 7 anos depois, sendo detido por ordem de Sidónio Pais na condição de cárcere privado, acusado de ter mudado de posição em relação à I Guerra Mundial. Seria de novo nomeado pelo Governo de José Relvas como ministro em Madrid, tendo chefiado a delegação Portuguesa na Conferência Internacional de Génova em 1922. Um ano depois viria a ser eleito Presidente da República. A sua obra literária foi motivo de chacota e usada como arma de arremesso pelos seus adversários políticos, em diversos contextos sociais e políticos, nomeadamente nos debates parlamentares. Não foi nada fácil o seu desempenho presidencial perante a instabilidade política da República, assumindo a firme defesa do Parlamento e a crítica frontal dos militares que pretendiam ganhar mais relevância política. Gostava de passear anonimamente pelas ruas de Lisboa, de se misturar com o povo, de frequentar livrarias e utilizar o elétrico nas suas idas e voltas para o Palácio de Belém. O sétimo Presidente da República cumpriu apenas dois anos de mandato  renunciando em 1925, partiu no cargueiro Zeus para a Argélia, para um exílio voluntário que se tornou definitivo após a implantação do Fascismo, que se instalou no consolado do Estado Novo. 
No exílio manteve-se atento à evolução política nacional, orientou a reedição de algumas das suas obras, publicou Cartas a Columbano, Niovelas Eróticas e Regressos, Miscelândia e Maria Adelaide, romance que foi proibido pela Censura e os seus exemplares apreendidos. Faleceu em 1941 longe da pátria e um ano depois seria editada a título póstumo  Londres Maravilhosa.



Alguns excertos de escrita sensual, para abrir o apetite para a (re)descoberta deste autor português pouco (re)conhecido no nosso panorama literário.

"Despem-se com efeito, entre risos que mal ouvimos. Ambas são trigueiras, conquanto mostrem nos braços uma alvura que os rostos não faziam suspeitar.Diferem consideravelmente na idade.A uma delas alteia-lhe a camisa no peito com exuberâncias de amojo e na outra cai em pregas pelo grácil corpinho abaixo. Riem; riem muito, a porfiar qual delas há-de primeiro despir a camisa.  É a mais nova  que se decide: mostra no torneado tronco dois meios limões agudos onde a outra põe logo os lábios; depois esta abre a camisa, soltando túmidos seios maduros que a outra apalpa. Recrudescem os risos..." in Agosto Azul p.121

"Ali, durante horas evoquei o tesouro inesgotável da sua carne, a começar pelas faces que tinha macieza e o aroma dos alperces maduros, e os lábios perfumados, brandos, que me derretiam na boca melhor que os gomos das laranjas de sangue, até aos pés de deusa, de mármore polido e nevado" in Maria Adelaide, p.130

"O   Gregório ainda não tem vinte anos: é alto, forte bem feito. A cabeça de construção latina, a testa lisa e breve, o cabelo frisado, quase ruivo, os olhos cor de avelã verde e um pouco apartados do nariz. Nem um pelo de barba a pungir-lhe atez pesseguenta; as comissuras dos lábios abertas em cheio na carne e revirados como pequeninas pétalas de rosa. Uma cara que sorri, intrinsecamente luminosa, mas de expressão ambígua, inquietadora até ..."in Cartas sem Moral Nenhuma, p.158

" Fico ardendo em luxúria, e fumando sem cessar entretenho a minha insónia passeando no convés até quase de manhã. Para complicar a situação, a atmosfera de sensualidade intensifica-se com a presença de um marujo que, eu notara de dia, adolescente de expressão felina , imberbe, com a boca de delicado recorte (cujas comissuras comprime sem descanso) se cruza comigo centenas de vezes, na estreita passagem entre a amurada e a parede do salão. O seu olhar floresce, provoca-me, persdegue-me, acaricia-me. " in Novelas Eróticas, p.170

Fontes utilizadas: M. Teixeira-Gomes, o discurso do desejo de Urbano Tavares Rodrigues , edições 70 e  pesquisas diversas na internet
           



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