Uma janela aberta para o mundo


No desafio complexo da comunicação, este blogue pretende ser um observatório do quotidiano de uma aldeia do Barrocal Algarvio, inserida no coração da Serra do Caldeirão, acompanhando os ritmos e ciclos da vida em permanente transformação.
Mas também uma janela aberta para a Aldeia Global mediatizada com os seu prodígios e perplexidades.
São bem vind@s tod@s os visitantes que convidamos a deixar o seu contributo, enriquecendo este espaço de encontro(s) e de partilha com testemunhos, críticas e sugestões.OBRIGADO PELA SUA VISITA! SE TIVER GOSTO E DISPONIBILIDADE DEIXE O SEU COMENTÁRIO.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Para quem não é algarvio

tradução vocabular: Solpostinho- Ao por do sol Lusco fusco – Ao escurecer Adregar- Ver Luzincus – Pirilampos Zirpada – Aguaceiro forte e repentino Alvadas – Corrente de água Arremedam -Imitam Dardevaia – Dar notícia Charola – Presépio Caramelo- Película de gelo Mochécos – Crianças Lampeiros- Ligeiros Assomar- Espreitar Caçoila- Caçarola Bexiga de porco insuflada- equivalente a um balão

O NATAL NA NAVE HÁ 50 ANOS

Solpostinho, lusco-fusco, adrega-se uma constelação de luzincus que pisca intermitente, aninhada no barro rubro Entre pedras encimadas na parede do forno. Pela chaminé rendilhada saem farripas de fumo e o cheiro a fritos de natal invade a rua, casando-se com o a aroma da terra molhada. A zirpada deixou pequenas alvadas, na vereda pedregosa, crianças arremedam barragens na lama fresca vestindo capotes improvisados com sacas de serapilheira. Portas abertas dão devaia da charola, lamparinas de azeite iluminam foscamente mesa de altar improvisado, figuras do presépio, santos de cartolina laranjas, romãs, searas verdejantes, projetam magia nas paredes caiadas. Na alvorada do novo dia a geada desenhou caramelos nos alguidares que dormiram ao relento. Os mochécos correm lampeiros ao fumeiro ali perto das caçoilas tisnadas assomam suas botitas cardadas meia dúzia de rebuçados, … alguma peça de roupa tricotada, uma bexiga de porco insuflada fazem a alegria da pequenada.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

ADEUS TIA CHICA...

FALECEU A TIA CHICA

Era a mulher mais velha da Nave, ia fazer 102 no dia 24 de Abril e faleceu no passado dia 19 de Fevereiro.
Foi muito bonita a festa que o seu neto Sérgio e a família lhe fez, para assinalar o 100º aniversário. Nessa altura ainda conhecia as pessoas e dizia coisas com sentido.
Nos últimos tempos perdeu a lucidez, viajava num mundo imaginário e cantava com frequência as melodias do seu tempo.
Foi inaugurar o novo espaço no Cemitério de Salir onde deixou de ser deitada terra sobre o caixão que é metido numa caixa de cimento, coberto por uma enorme placa de mármore selada com cola, evitando assim os cheiros da decomposição.
Era no seu tempo a única mulher da Nave que sabia nadar.
Aprendeu a nadar ainda menina na Ribeira que passa na Aldeia da Tor, onde nasceu.
Recordo-me dela em Quarteira, a nadar ao meu lado, era eu então um adolescente.


Adeus Tia Chica...
Obrigada pelo seu exemplo e testemunho de uma vida inteira de trabalho e amizade...

Descanse em paz!

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

TIA MARIA NAIÇA


Os mais novos não conheceram mas os mais velhos ainda se lembram desta mulher simples e lutadora, que durante 28 anos foi buscar o correio a Salir e garantia a distribuição porta a porta das cartas vindas de longe, trazendo notícias do mundo e dos muitos emigrantes que partiram em busca de uma vida melhor.
Substituiu o marido nesta função e percorreu mais de 200 mil quilómetros, ao serviço dos Correios de Portugal, a troco de uns tostões (3$00 por dia), que se juntaram a partir de 1971 à pensão de viuvez.
Atravessou o serro, caminhando veredas e atalhos até ao Caminho da Fonte, tantas vezes ao frio e à chuva, até que num acidente de percurso, no dia 1 de Julho de 1983, partiu uma perna. Foi então o seu filho Firmino que assegurou este serviço para que não fosse interrompido.
Por ingratidão dos Correios para com esta funcionária, que tão diligentemente os serviu, não recebeu qualquer pensão por invalidez, porque para esta instituição a Ti Mari'Náiça nunca existiu, apesar de lhe terem pago o seu trabalho durante quase três décadas.
Para memória futura e como símbolo de gratidão da Nave do Barão, aqui fica este apontamento mais que merecido a esta mulher lutadora, simples e generosa.
TI MARI'NAIÇA , esteja onde estiver quem a conheceu não a esquecerá.

sábado, 7 de janeiro de 2012

VAMOS CANTAR AS JANEIRAS

Há muitos anos atrás grupos de janeireiros percorriam as casas da Nave, por vezes a altas horas da noite, para cantar as janeiras e desejar um bom ano aos moradores.
Lembro-me ainda gaiato de ir com os moços da minha idade de porta em porta perguntar: Canta-se ou reza-se?

Estou aqui à sua porta,
Encostado ao seu portão;
Viva a patroa de casa,
Viva também o patrão

Quando vinha lá em baixo,
Tropecei numa cortiça;
Logo o meu camarada disse
Que esta casa dava chouriça.

Estou aqui à sua porta,
Não é por pão nem leite,
é por aquelas coisinhas
Que de frigem no azeite.

E lá vinha o refrão:

Janeiró, Janeiró
Venho o prato da filhó
Uma para mim
Outra prá minha avó

E agradecíamos:

Fique com Deus senhora,
Que com Deus me vou andando
Sua casa fica em paz,
E os anjos nos vão guiando.

Ou se não estavam em casa e não respondiam
lá vinha a chacota:

Arregota, arregota
Venha-nos dar a esmola
Senão cagamos à porta...

Havia grupos de homens e por vezes mulheres,
com cantos mais elaborados e com instrumentos musicais.
O que tinha sempre muitas esmola era o do Manuel Candeias
dos Montes de Cima, que penetrava mais fundo no coração
das pessoas.

Começava assim:

Acordai se estás dormindo
Nesse sono tão profundo,
Acordai e venha ouvir
As almas do outro mundo.